PIONEIRISMO
As histórias dos Antônios
 

Publicado em 23/10/2018 as 9h40

Por José Saul Martins*

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Antônio Orlando Cavichia e a esposa Terezinha mostrando a balança Agram em sua drogaria no distrito de Agulha

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Antônio Pan na Farmácio Dom Bosco em Fernando Prestes

Quem precisar de um medicamento em Fernando Prestes ou Agulha certamente vai procurar numa farmácia ou drogaria. Em Agulha na Drogaria Santo Antônio e em Fernando Prestes na Farmácia Dom Bosco verão dois senhores com mais de 70 anos que atendem pelo singelo nome de Antônio. Esses Antônios, um Cavichia outro Pan, são farmacêuticos que por várias gerações atenderam e atendem agulhenses e fernando prestenses.

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As histórias dos Antônios


“Ô sontonho”, “Ô Pan”, “Ô seo Antônio”, “Ô seu farmacêutico” foram milhares de vezes ouvidas sob as janelas destes dois homens, filhos de lavradores, que vieram viver no município de Fernando Prestes na condição de farmacêuticos.

O primeiro, Antônio Orlando Cavichia, 77 anos, natural de Dobrada-SP veio para Agulha em 1965 com um filho pequeno e a esposa Terezinha esperando a segunda criança.

Antônio Pan é mineiro de Andradas, tem 76 anos, chegou a Fernando Prestes em 1970. Veio de Americana-SP, onde trabalhava com o cunhado na Farmácia São Francisco na Rua Ari Meireles defronte ao Hospital São Francisco.

Cavichia quando foi fazer o grupo escolar em Matão-SP, com sete anos, paralelamente aos estudos começou a trabalhar na Farmácia Central de Valter Cicogna. Aos 18 anos foi para São Paulo trabalhar na Farmácia Ethica e fazer o Curso Prático de Farmácia numa escola que funcionava no centro da cidade, mais precisamente no Largo São Francisco.

Após o término do curso foi convidado a atuar no Laboratório Fontoura/Wyte, mas preferiu voltar para sua terra: Matão. E mais, voltou a trabalhar na mesma farmácia. Mas foi por pouco tempo, pois recebeu um convite para instalar uma farmácia na Companhia dos Ingleses, hoje Cambuhy Citrus. Já casado e acreditando que precisava de algo mais para sua família, resolveu comprar ou montar sua própria farmácia.

Em companhia de um conhecido e inspetor do Laboratório Pinheiros, que periodicamente visitava as regiões do Estado de São Paulo, passavam pela Rodovia Washington Luís, quando foram lanchar num posto de combustíveis em Botelho. Era o único que existia nas proximidades.

Enquanto estavam lanchando, o dono do posto reclamou com um frentista sobre uma dor de cabeça que sentia. O inspetor, com intuito de ajudar, recomendou então a ajuda do jovem farmacêutico Antônio que estava presente. Após ingerir o medicamento que o farmacêutico trazia consigo numa pasta, o proprietário, já sem dores, foi até à mesa agradecer pela cura. Neste momento, depois uma breve conversa, Cavichia disse os motivos de suas andanças: comprar uma farmácia. De pronto, o dono do posto, indicou uma farmácia que estava à venda ali próximo, no distrito de Agulha. Chamava-se Ambulatório São Sebastião e era de propriedade de Oswaldo da Cruz, o Vadinho.

Antônio Pan, era o segundo filho do casal de lavradores plantadores de batatas do sul de Minas Gerais. Ainda adolescente resolveu sair da roça e foi morar com sua irmã mais velha na cidade de Americana. Seu cunhado era farmacêutico e com ele aprendeu os segredos da profissão. Com 25 anos de idade, concluiu o curso de “Oficial de Farmácia” promovido pelo 8º Conselho Regional de Farmácia – São Paulo, possuidor do registro número 3.405.

Com a carteira na mão e a experiência obtida na farmácia do cunhado resolveu voar mais alto. Queria ter seu próprio negócio: a sua farmácia. Em 1970 em companhia de um viajante que vendia medicamentos pelo interior do Estado de São Paulo, Pan visitou farmácias em várias cidades. Lembra que conheceu Itápolis, Araraquara, Taquaritinga e Fernando Prestes. A farmácia local, de propriedade de Waldemar Veríssimo, o Dengo, estava a venda e Pan resolveu comprá-la. Negócio acertado viria daí alguns dias para tomar posse. Naquele dia deixaram Fernando Prestes sob um forte aguaceiro que podia ser visto também pela enxurrada que corria pela Rua José Agustoni, ainda não asfaltada.

Com a família instalada em Agulha, seu Antônio Cavichia tomou posse de sua farmácia em 1965. Nasceram mais dois filhos: o Rubinei e a Mônica além do primogênito que leva o nome do pai, natural de Matão.

Num dos lances da estante de madeira e vidro, na Drogaria Santo Antônio pode-se observar alguns objetos desconhecidos por aqueles que não são do ramo: utensílios para produção de remédios. Todas as peças são dignas de estarem em um museu, mas a balança de alta precisão Agram é a que mais impressiona, pela sua originalidade.

Cavichia fala que nestes 53 anos de Agulha já teve em suas mãos várias gerações e recorda  algumas situações delicadas que passou, ou melhor, passaram, pois a esposa Terezinha o auxiliava. Conta que além de dedos fraturados que consertava, suturas e pequenas cirurgias, certa ocasião um taxista de Botelho, Remidio Mancini, parou apavorado defronte a sua farmácia pedindo auxílio a uma mulher que estava dando a luz. Ao abrirem a porta, o susto foi grande, porque a criança já tinha nascido no banco traseiro do veículo. Nossa já tinha acontecido. – Fiz alguns procedimentos de higiene, assepsia e correndo recomendei ao Remidio que ‘voasse’  ao hospital mais perto. Lembrou o farmacêutico.

Outras situações graves que Cavichia enfrentou foram as vítimas dos acidentes da Rodovia Washington Luís, quando ainda não era duplicada. Fala emocionado que prestou os primeiros socorros a muitas pessoas acidentadas.

Com uma mala de roupas numa das mãos e na outra a maleta com alguns apetrechos de farmácia Pan chegou definitivamente em Fernando Prestes em março de 1970. Morou algum tempo no Hotel Central de propriedade de Domingos Junta e no mesmo ano, em 28 de julho, casou com Nilza Maria Rodrigues Pan. Tiveram três filhos, Juliana, David e Daniel.

Com uma história parecida com a de seu colega de Agulha, Pan fala que hoje a sua profissão é tida apenas como um vendedor de remédios. Lembra, que quantas e quantas vezes acordou sob o chamado assustado de pessoas precisando de ajuda médica. Alguns graves, como infartos e derrames. -  Sempre fiz o possível. Num caso de parto, foi solicitado a comparecer a uma casa em um sítio, para atender a uma mulher. Ao chegar a criança já tinha nascido, uma menina, sendo preciso apenas cortar o cordão umbilical e fazer a assepsia. Pan e a esposa ficaram compadres do casal.

Antônio Pan fala também que ficou difícil trabalhar com a comercialização de medicamentos, pois uma grande parte é distribuídas nas unidades básicas de saúde.
Mas uma coisa é certa. Mesmo com as dificuldades que atividade farmacêutica passa, com todos esses anos de labuta, estes senhores serenamente vivem a cada dia servindo a vida.

 

*José Saul Martins é jornalista, criador  e ditor do jornal e site A Trombeta